Não há preocupação em relação às consequências do uso indevido de produtos tóxicos.
Existem milhões de produtos químicos sendo que dezenas de milhares são utilizados na manufatura de itens ou na prestação de serviços, em sua maioria úteis e mesmo necessários à vida moderna, inclusive no campo da saúde. Entretanto, esses produtos podem ter efeitos prejudiciais à saúde, por vezes muito graves. Por exemplo, fármacos antineoplásicos podem salvar vidas, porém são genotóxicos e disruptores endócrinos podendo causar câncer, oferecendo, assim, risco sério aos aplicadores, donde um dilema ético: salvar vidas e expor profissionais de saúde a um agente tóxico? Felizmente, na maioria dos casos, não precisamos escolher, pois há conhecimentos que permitem a manipulação com segurança de produtos tóxicos, daí a grande importância das técnicas de prevenção.
Muitos produtos químicos como mercúrio e certos agrotóxicos, além de afetarem a saúde dos trabalhadores, também contaminam o meio ambiente: ar, água, solo, plantas, peixes, impactando sobre a saúde de toda a população. Produtos tóxicos utilizados no local de trabalho irão aparecer em itens de consumo, como cosméticos e materiais de limpeza, cujo descarte final será em algum compartimento ambiental, assim prolongando sua ação prejudicial. A estimativa da OMS é que mais de 13 milhões de mortes ocorrem, por ano, devido a esses riscos ambientais. Um relatório recente da ONU indica que a exposição a produtos químicos tóxicos causa anualmente o dobro das mortes por Covid-19 nos 18 primeiros meses e, ao mesmo tempo, alerta que as abordagens atuais para os gerenciar estão falhando no sentido de garantir um desenvolvimento saudável e sustentável.
A OMS estima que grande parte das 7 milhões de mortes anuais devido a câncer seja resultado de exposições ocupacionais e ambientais a agentes químicos, como benzeno, benzo-Α-pireno e dioxina. Até 8 de abril de 2022 a OMS confirmou 6.170.283 mortes por Covid-19. A pandemia causou uma verdadeira “revolução preventiva”, incluindo hábitos de higiene, isolamento, uso de máscaras, vacinas, ou seja, houve um esforço global nesse sentido. Por que não há uma preocupação equivalente em relação às consequências do uso indevido e sem cautela de produtos químicos tóxicos? Segundo a OMS “muitos casos de câncer causados por exposições ambientais e ocupacionais podem ser prevenidos. Prevenção primária das exposições… é a medida mais efetiva… salva vidas e economiza bilhões de dólares”. Há muito conhecimento em prevenção primária, entretanto, doenças ocupacionais graves continuam ocorrendo em todo o mundo, e também como consequências da poluição e de grandes desastres ambientais, devido à falta de medidas de controle básicas nos locais de trabalho. Por que existe uma lacuna tão grande entre conhecimentos e sua aplicação? Como podemos atravessar a “ponte” entre conhecimento e ação preventiva eficaz?
Como planejar ações eficazes quanto à Segurança Química? Como identificar falhas nas abordagens atuais?
SENSIBILIZAÇÃO
A fim de promover a prevenção de riscos ocupacionais e ambientais é necessário que haja conscientização e vontade política dos diferentes tomadores de decisão, ou seja, aqueles cujas ações podem realmente mudar o que necessita ser mudado. Como alcançá-los em nível governamental, empresarial, laboral e de consumidores? Como promover uma mentalidade preventiva e uma visão em longo prazo, ao invés de foco no lucro imediato?
No caso do Covid-19 houve um esforço global, com sensibilização dos tomadores de decisão, desde os governos até a população em geral.
Quando riscos ambientais e ocupacionais foram foco central na mídia gerando o mesmo tipo de preocupação? Infelizmente muitos tomadores de decisão só veem gastos na prevenção, ignorando as economias resultantes. Um grande erro é não acreditar que riscos antecipáveis possam se materializar, ou seja, falta o “princípio da prevenção”. É importante lembrar que o ideal é a Ação Preventiva Antecipada, ou seja, prever e evitar/ minimizar fatores de risco já no planejamento e projeto de processos, equipamentos e locais de trabalho, incluindo seleção adequada dos produtos utilizados. Um fato incontestável é que os custos da mitigação de danos resultantes, por exemplo, de grandes desastres, são imensamente maiores do que o investimento que deveria ter sido feito em preveni-los.
FALHAS
Existem falhas na pesquisa em áreas referentes à Segurança Química, pois os temas nem sempre são escolhidos dentro de uma visão ampla das necessidades em termos de prevenção. Um erro frequente é gastar recursos em busca de mais evidência sobre efeitos já conhecidos.
Obviamente a pesquisa em toxicologia é indispensável, porém a realidade é que não se consegue acompanhar a introdução de novos produtos químicos. O CRE (Regulamento UE – Classificação, Rotulagem e Embalagem de Substâncias e Misturas Perigosas) lista sete mil produtos químicos com suas propriedades toxicológicas, o que é apreciável. Entretanto, há milhares de substâncias ainda não devidamente estudadas, mas que podem ser tóxicas. Isso levou ao Princípio de Precaução, ou seja, à necessidade de não utilizar ou evitar exposição a certo produto, através de medidas preventivas eficazes, quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, mesmo na ausência de certeza científica absoluta.
É inegável a importância de pesquisa contínua quanto à prevenção primária de riscos. Uma medida que requer mais pesquisa é a substituição de produtos químicos tóxicos. Um exemplo de substituição eficiente, no caso de agrotóxicos, são as tecnologias naturais, como plantas que fertilizam o solo sem necessidade de produto químico. Obviamente, quando um produto é indispensável, devem ser estudados outros métodos eficientes de controle, inclusive na propagação e no trabalhador.
Existem falhas na formação em Higiene Ocupacional, profissão essencial no campo da Segurança Química, que incluem o foco exagerado em avaliações quantitativas e limitações quanto a aspectos importantes da prevenção/controle de fatores de risco. Quando prevenção é abordada, geralmente se resume à ventilação e EPIs, negligenciando outras medidas essenciais, como substituição, modificação de processos e práticas de trabalho. Outra falha se refere à ausência de conhecimentos em química, toxicologia e processos de trabalho, indispensáveis para o correto reconhecimento de fatores de risco, inclusive os “riscos ocultos”, como gases tóxicos que se formam acidentalmente, como as dioxinas. Um problema mais recente é o foco excessivo em sistemas de gestão, sem especificar a competência dos profissionais que estabelecem os objetivos e metas a serem atingidos e que, se não forem corretos, podem levar a um programa certificado, mas que não contempla riscos graves omitidos por falta de conhecimentos.
Uma citação importante e sempre válida:
“Saber não é suficiente; devemos aplicar. Querer não é suficiente; devemos agir” (Goethe).
Autor: Berenice I. F. Goelzer – Engenheira Civil e Higienista Ocupacional
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